As raízes e origens do estado de Minas Gerais estão, como o seu nome sugere, na mineração. Essa atividade é, ainda hoje, a segunda mais importante atividade econômica industrial do estado sendo responsável pela manutenção de milhares de empregos diretos e indiretos dos quais depende uma grande parcela da população mineira (FJP, 2018). Portanto, a atividade minerária sempre foi, é e continuará sendo um dos motores da economia do estado.
Muito já se escreveu sobre as relações entre a mineração e o desenvolvimento socioeconômico de Minas Gerais (e.g: Simonato et al. 2017). Sabe-se, por exemplo, que a mineração iniciou no estado ainda no século XVI, em pleno regime colonial, e seu desenvolvimento inicial foi completamente dependente do trabalho escravo.
As principais cidades do ciclo do ouro em Minas Gerais ainda hoje têm forte influência do contingente populacional de origem africana. As principais cidades que participaram do ciclo do ouro, tiveram seu apogeu no século XVIII (Silva, 1995). No entanto, elas logo entraram em um longo processo de decadência, à medida que o metal precioso foi se exaurindo das minas e lavras. Assim, todo mineiro bem sabe que o progresso regional ou local devido à atividade da mineração é algo efêmero e transitório.
A instalação das minas em um município pode trazer rapidamente uma grande riqueza e pujança econômica. Entretanto, nossos governantes e gestores públicos ainda não descobriam a melhor forma de aproveitar esse ciclo econômico de curta duração para trazer bem-estar duradouro às populações. Assim, a regra no estado é que a mineração, no final do seu ciclo, sempre acaba por deixar profundas marcas negativas seja na sociedade, seja na paisagem urbana seja nos ecossistemas do entorno das minas. Esse cenário deve ser contextualizado considerando que já existem instrumentos regulatórios com a finalidade de se minimizar os impactos da mineração, tal como a Portaria nº 237, de 18.10.2001, alterada pela Portaria nº 12, de 22.01.2002 do DNPM, instituindo as Normas Reguladoras de Mineração (NRM´s). A NRM nº 20 disciplina os procedimentos administrativos e operacionais em caso de fechamento de mina, suspensão e retomada de operações mineiras, estabelecendo diretrizes para o Plano de Fechamento ou de Suspensão da Mina.
Após o ciclo do ouro e do diamante, já no início do século XX, instala-se, no estado, a mineração do ferro que, salvo algumas poucas exceções, coincide geograficamente com os mesmos municípios que tomaram parte do primeiro ciclo da mineração. Cidades como Ouro Preto, Congonhas, Mariana, Catas Altas, Santa Bárbara, Sabará ou mesmo Nova Lima podem aqui ser citadas (Ruchkys e Machado, 2013).
A inauguração da ferrovia Vitória Minas ligando o porto de Vitória a dezenas de ramais ferroviários que dão acesso a variadas minas de minério de ferro foi um fator decisivo para consolidar o Brasil, ainda na década de 60, como um dos maiores exportadores de minério de ferro do mundo (Teixeira, 2013). Depois, veio a ferrovia do aço ligando Congonhas ao porto de Sepetiba, RJ. Somente muito mais tarde, ao final dos anos oitenta, a província mineral de Carajás, no estado do Pará, aparece no cenário da mineração do Brasil, como a inauguração da ferrovia que liga Carajás ao Porto de Itaqui no Maranhão.
Ferrovia do aço, próxima à cidade de Entre Rios de Minas (MG). A ferrovia liga Jaceaba (MG) a Volta Redonda (RJ). Originalmente, a ferrovia faria uma ligação rápida entre Minas (Itutinga, MG) e São Paulo (capital), mas esse ramal nunca chegou a ser terminado.
Hoje em dia, a extração, o beneficiamento e o transporte do minério de ferro formam um complexo industrial muito sofisticado que procura atender a elevados padrões internacionais de qualidade. Assim, produzir milhões de toneladas de minério de ferro de tal forma que o produto encontre mercados firmes e preços atraentes exige, além de uma complexa logística de extração, beneficiamento e transporte, uma gigantesca infraestrutura operacional que requer, dentre outros aspectos, elevado consumo de petróleo, uma variada gama de insumos químicos, mão de obra diversificada e altamente qualificada e, principalmente, grande quantidade de água de boa qualidade.
A mineração é reconhecidamente tida como uma das atividades humanas que maiores impactos ambientais causam (Pinto-Coelho & Havens, 2017). Além da cava de uma mina que pode atingir de uma a duas centenas de metros de profundidade, uma mina tradicional vai exigir grandes áreas para depositar estéril, grandes pátios para o acúmulo do minério, uma grande rede viária por onde trafegam imensos caminhões fora de estrada, estações ferroviárias, centros de pressurização e peletização, enormes sistemas de correias transportadoras, vários pátios para transbordo de carga, diversas plantas industriais, estações de bombeamento, tratamento de efluentes, etc. Assim, os impactos ambientais são variados e envolvem, em geral, remoção de grandes áreas com vegetação nativa, grande produção de poeira, muita poluição sonora, substanciais emissões de gases formadores do efeito “estufa”, elevado consumo de energia elétrica, etc. No entanto, os maiores impactos estão concentrados na construção e operação de diversos tipos de barragens ou diques que permitem o acúmulo e/ou desvio, uso e reuso intenso de água de boa qualidade e emissão de efluentes de água com variados níveis de contaminação química ou física.
Os mais importantes impactos ambientais de uma grande mina se refletem nos recursos hídircos. Esses impactos, em geral, acabam por causar o rebaixamento e/ou contaminação do lençol freático e diversas outras modificações da quantidade e qualidade da água em toda a bacia hidrográfica onde a mina está inserida.
As inúmeras barragens encontradas dentro de uma mina destinam-se a variados fins tais como captação de água, decantação de sólidos, filtração de resíduos, recepção de rejeitos de diferentes texturas e granulometrias, etc. Essas barragens exigem diferentes formas de gestão ambiental e o seu controle tanto em termos de segurança das barragens quanto em termos de qualidade de suas águas tem deixado a desejar. E um fator complicador é que toda barragem por definição tem um efluente e situa-se em níveis topográficos mais elevados no terreno. Em sua grande maioria, as barragens associadas à mineração estão na parte mais à montante de suas respectivas bacias hidrográficas. Essa posição coloca as populações do seu entorno sob diferentes tipos de impactos e riscos ambientais.
Se olharmos para o cenário da mineração de ferro no estado de Minas Gerais e compararmos, por exemplo, com outra província mineral de importância mundial, tal como Carajás, no estado do Pará, três fatos se destacam: (a) a produção de minério de ferro de Minas Gerais é tão importante quanto a produção dessa commodity no Pará; (b) ao contrário do que acontece em Carajás, as maiores jazidas de minério de ferro de Minas Gerais estão muito próximas a grandes centros urbanos e (c) a menor qualidade do minério extraído das minas de MG exige um tratamento mais sofisticado e que implica em maior consumo de água (Silva, 1995).
A implantação de uma mineração em uma dada região também impulsiona a expansão urbana, visto que atrai muita gente graças a oferta de empregos diretos e indiretos. A grande proximidade da mineração aos centros urbanos é um novo desafio para as grandes mineradoras no estado. Elas estiveram sempre acostumadas a operar a grandes distâncias da população urbana. A existência de uma mina de ferro é também um desafio para os gestores públicos. Eles deveriam planjejar ou mesmo limitar a expansão urbana por meio dos zoneamentos constantes nos planos diretores. Na realidade, o que se vê, é o resultado de riscos aumentados associados à mineração em função da má qualidade dos planos municipais de zoneamento e de parcelamento urbano.
As recentes tragédias associadas à atividade de mineração causadas principalmente pelas rupturas das barragens de Fundão, em Mariana, e da Mina do Feijão, em Brumadinho, mudaram a percepção vigente de que a mineração, por ser uma atividade extremamente importante para Minas Gerais, impõe que seus impactos ambientais deveriam ser aceitos por todos. Essas tragédias causaram mais de duas centenas de mortes, muitos desaparecidos, milhares de desabrigados, perda de dezenas ou centenas de hectares de terras férteis nos vales dos rios. Tudo isso é assunto diário em inúmeras matérias de jornais, TVs, rádios e motivo para muitos fóruns de discussão em todas as redes socais (e.g: Ribeiro e Pinto-Coelho, 2015; Parreiras, 2019; Paranaíba, 2019; Pires e Pinto-Coelho, 2019, dentre outros).
As dezenas de quilômetros quadrados inundados com lama tóxica, as grandes superfícies de florestas ripárias arrancadas pela passagem da onda de rejeitos, as centenas de quilômetros de cursos d´água com sua biota e sedimentos contaminados nas bacias hidrográficas dos rios Doce e Paraopeba formam um passivo ambiental que irá permanecer por décadas nesses ecossistemas (Pinto-Coelho, 2017).